Caos: Os Panfletos do Anarquismo Ontológico – Hakim Bey

Sobre o autor:

Hakim Bey mora num decadente hotel chinês onde os proprietários balançam a cabeça  de um lado para o outro enquanto leem os jornais e escutam transmissões estridentes da Ópera de Pequim. O ventilador de teto gira como um dervixe indolente – suor pinga sobre a página – o cafetã do poeta está encardido, seus cinzeiros derramam cinzas no tapete – seus monólogos parecem desconexos e levemente sinistros – por trás das janelas fechadas, o gueto desaparece entre palmeiras, o ingênuo oceano azul, a filosofia do tropicalismo.

Sobre o livro:

O que este livro diz a você não é prosa. Pode ser pendurado no quadro de avisos, mas ainda está vivo e retorcendo-se. Não pretende seduzi-lo, a não ser que você seja de extrema juventude e beleza (anexe uma foto recente). Numa estrada em algum lugar a leste de Baltimore, você passa por um trailer Airs-tream, e enxerga uma grande placa plantada na grama: ESOTERISMO, com a imagem de uma rude mão negra sobre um fundo vermelho. Lá dentro, você encontra livros sobre sonhos e numerologia, panfletos sobre vodu e macumba, revistas de nudismo velhas e empoeiradas, um pilha de Boy’s Life, tratados sobre briga de espadas… e este livro, Caos. Como palavras ditas num sonho, portentosas, evanescentes, transformando-se em perfumes, pássaros, cores, música esquecida.

Este livro se mantém a distância por uma certa impassibilidade em sua superfície, quase que visível através de um vidro. Ele não abana o rabo e não grunhe, mas morde e estraga a mobília. Ele não tem um número ISBN e não o quer como discípulo, mas pode sequestrar seus filhos.

Este livro é nervoso como o café ou a malária – ele cria, entre si e seus leitores, uma rede de desertores e outsiders – mas é tão cara-de-pau e literal que praticamente se codifica – fuma a si próprio em estupor.

Uma máscara, uma auto-mitologia, um mapa sem nome de lugar algum – hirto como uma pintura egípcia que, no entanto, logra acariciar o rosto de alguém e, de repente, encontra-se na rua, num corpo, envolvido em luz, andando, acordado, quase satisfeito.

— Nova York, 1o de maio a 4 de julho de 1984

CAOS

O Caos nunca morreu. Bloco intacto e primordial, único monstro digno de adoração , inerte e espontâneo, mais ultravioleta do que qualquer mitologia (como as sombras à Babilônia), a original e indiferenciada unidade-do-ser ainda resplandece, imperturbável como as flâmulas negras frenética e perpetuamente embriagada dos Assassinos[1].

O caos é anterior a todos os princípios de ordem e entropia, não é nem um deus nem uma larva, seu desejos primais englobam e definem todas coreografia possível, todos éteres e flogísticos sem sentido algum: suas máscaras, como nuvens, são cristalizações da sua própria ausência de rosto.

Tudo na natureza, inclusive a consciência, é perfeitamente real: não há absolutamente nada com o que se preocupar. As correntes da Lei não foram apenas quebradas, elas nunca existiram. Demônios nunca vigiaram as estrelas, o Império nunca começou, Eros nunca deixou a barba crescer.

Não. Ouça, foi isso que aconteceu: eles mentiram, venderam-lhe ideias de bem e mal, infundiram-lhe a desconfiança de seu próprio corpo e a vergonha pela sua condição de profeta do caos, inventaram palavras de nojo para seu amor molecular, hipnotizaram-no com a falta de atenção , entediaram-no com a civilização e todas as suas emoções mesquinhas.

Não há transformação , revolução , luta, caminho. Você já é o monarca de sua própria pele – sua liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política de sonho, urgente como o azul do céu.

Para lograr abrir mão de todos os acentos e hesitações ilusória da história, é preciso evocar a economia de uma Idade da Pedra lendária – xamâs e não padres, bardos e não senhores, caçadores e não policiais, coletores paleoliticamente preguiçosos, gentis como sangue, que ficam nus para simbolizar algo ou se pintam como pássaros, equilibrados sobre a onda da presença explícita, o agora-sempre atemporal.

Agentes do caos lançam olhares ardentes a qualquer coisa ou pessoa capaz de suportar ser testemunha de sua condição , sua febre por lux et voluptas. Estou desperto apenas no que amo e até o limite do terror – todo o resto é apenas mobília coberta, anestesia diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal e dor desnecessária.

Avatares do caos agem com espiões, sabotadores, criminosos do amor louco, nem generosos nem generosos nem egoístas, acessíveis como crianças, semelhantes a bárbaros, perseguidos por obsessões, desempregados, sexualmente perturbados, anjos terríveis, espelhos para a contemplação , olhos que lembram flores, piratas de todos os signos e sentidos.

Aqui estamos, engatinhando pelas frestas entres as paredes da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monolitos paranóicos. Arrancados da tribo pela nostalgia selvagem, escavamos em busca de mundos perdidos, bombas imaginárias.

A última proeza possível é aquela que define a própria percepção , um invisível cordão de ouro que nos conecta: dança ilegal pelos corredores do tribunal. Seu eu fosse beijar você aqui, chamariam isso de um ato de terrorismo – então vamos levar nossos revólveres para a cama e acordar a cidade à meia-noite como bandidos bêbados celebrando a mensagem do sabor do caos com um tiroteio.

Terrorismo Poético (TP)

Dançar de forma bizarra durante a noite inteira nos caixas eletrônicos dos bancos.

Apresentaçõoes pirotécnicas não autorizadas. Land-art[2], peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe objetos Poético-Terroristas. Sequestre alguém e o faça feliz.

Escolha alguém ao acaso e o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna – digamos, 5 mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário e talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.

Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.

Fique nu para simbolizar algo.

Organize uma greve em sua escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência e beleza espiritual.

A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões do metrô e sóbrios monumentos públicos – a arte-TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte-xerox sob o limpador de para-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio piratas.

Cimento fresco…

A reação do público ou choque-estético produzido pelo TP tem de ser uma emoção menos tão forte quanto o terror – profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta – não importa se o TP é dirigido a apenas uma ou várias pessoas, se é “assinado” ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Pare que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia).

Mesmo as táticas da guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez já tenham se tornado conhecidas e previsíveis demais.

Uma primorosa sedução praticada não apenas em busca da satisfação mútua, mas também como um ato consciente de uma vida deliberadamente bela – talvez isso seja o TP em seu alto grau. Os Terroristas-Poéticos comportam-se como um trapaceiro totalmente confiante cujo objetivo não é dinheiro, mas transformação .

Não faça TP Para outros artistas, faça-o para aquelas pessoas que não perceberão (pelo menos não imediatamente) que aquilo que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, assuma riscos, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida – mas não seja espontâneo a menos que a musa do TP tenha se apossado de você.

Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.

Amor Louco (AL)

O amor louco não é uma social-democracia, não é um parlamentarismo a dois. As atas de suas reuniões secretas lidam com significados amplos, mas precisos demais para a prosa. Nem isso, nem aquilo – seu Livro de Emblemas treme em suas mãos.

Naturalmente, ele caga para os professores e para a polícia. Mas também despreza os liberais e os ideólogos – não é um quarto limpo e bem iluminado. Um topógrafo embusteiro projetou seus corredores e e seus parques abandonados, criou sua decoração de emboscada feita de tons pretos lustrosos e vermelhos maníacos membranosos.

Cada um de nós possui metade do mapa – como dois potentados renascentistas, definimos uma nova cultura com a nossa excomungada união de corpos, fusão de líquidos – as fronteiras imaginárias da nossa cidade-Estado se borram com o nosso suor.

O anarquismo antológico nunca retornou de seu último recall. Conquanto ninguém nos denuncie para as autoridades, o Caos não se importa nem um pouco com o futuro da civilização . O amor louco procria apenas por acidente – seu objetivo principal é engolir a Galáxia. Uma conspiração de transmutação .

Seu único interesse pela Família está na possibilidade de incesto (“Amplie o seu Eu”, “Toda pessoas é um Faraó”) – ´ O, mais sincero dos leitores, semelhante meu, meu irmão/irmã – e na masturbação de uma criança ele encontra, oculta (como uma caixa- surpresa japonesa com flores de papel), a imagem do esfarelamento do Estado. As palavras pertencem àqueles que as usam apenas até alguém as roube de volta.

Os surrealistas se desgraçaram ao vender o amor louco para a máquina de sombras do Abstracionismo – a única coisa que procuraram em sua inconsciência foi o poder sobre os outros, e nisso foram seguidores de Sade (que queria “liberdade” apenas para que homens brancos e adultos pudessem estuprar mulheres e crianças).

O amor louco é saturado de sua própria estética, enche-se até as bordas com a trajetória de seus próprios gestos, vive pelo relógio dos anjos, não é um destino adequado para comissários ou lojistas. Seu ego evapora-se com a mutabilidade do desejo, seu espírito comunal murcha em contato com o egoísmo da obsessão.

O amor louco pede uma sexualidade incomum. O mundo anglo-saxão pós-protestante canaliza toda sua sensualidade reprimida para a publicidade e divide-se entre multidões conflitantes: caretas histéricos versus clones promíscuos e ex-ex-solteiros. O AL não quer se alistar no exército de ninguém, não toma partido na Guerra dos Sexos, entedia-se com os argumentos a favor de iguais oportunidades de trabalho (na verdade, recusa-se a trabalhar para ganhar a vida), não reclama, não explica, nunca vota e nunca paga impostos.

O AL gostaria de ver todo bastardo (“filho natural”) chegar ao fim de sua gestão e nascer – o AL vive de aparelhos antientrópicos – o AL adora ser molestado por crianças – o AL é melhor que sensimilla[3] – o AL leva para onde for sua próprias palmeiras e sua própria lua. O AL admira o tropicalismo, a sabotagem, a break dance, Layla e Ma jnun[4], o cheiro de pólvora e de esperma.

O AL é sempre ilegal, não importa se disfarçado de casamento ou de um grupo de escoteiros – sempre embriagados do vinho de suas próprias secreções ou do fumo de suas virtudes polimorfas. Não é a deterioração dos sentidos, mas sim sua apoteose – não é o resultados da liberdade, mas seu pré-requisito. Lux et voluptas.

Paganismo

Constelações por onde dirigir o barco da alma.

“Se o muçulmano entendesse o Islã, ele se tornaria um adorador de ídolos.” – Mahmud Shabestari.

Eleguá[5], o porteiro horroroso com um gancho na cabeça e conchas nos lugar dos olhos, charutos negros de macumba e copo de rum – como Ganesh[6], o deus dos Inícios, garoto gordo com cabeça de elefante montando num rato.

O órgão que compreende as atrofias numinosas com os sentidos. Aqueles que não podem sentir o baraka[7] não conhecem as carícias do mundo. Hermes Poimandres[8] ensinou a animação de ídolos, a permanência mágica dos espíritos nos ícones – mas aqueles que não podem realizar esse ritual em si mesmo e em todo o tecido palpável do ser material vão herdar apenas melancolia, dejetos, decadência.

O corpo pagão torna-se como Corte de Anjos que experimenta este lugar – este arvoredo – como o paraíso (“Se existe um paraíso, com certeza é aqui !” – inscrição no pórtico de um jardim mongol[9]).

Mas o anarquismo ontológico é paleolítico demais para a escatologia – as coisas são reais, feitiçaria funciona, os espíritos dos arbustos são unos com a Imaginação , a morte é um vago desconforto – o enredo das Metamorfoses de Ovídio – um épico de mutabilidade.

O cenário mitológico pessoal.

O paganismo ainda não inventou leis – apenas virtudes. Nenhum maneirismo de padres, nenhuma teologia, ou metafísica, ou moral – apenas um xamanismo universal no qual ninguém obtém real humanidade sem uma revelação .

Comida dinheiro sexo sono sol areia e sensimilla – amor verdade paz liberdade e justiça. Beleza. Dionísio, o garoto bêbado numa pantera – rançoso suor adolescente – Pã, meio homem, meio cabra, avança pesadamente na terra sólida até a cintura como se fosse o mar, com a pele suja de musgo e líquen – Eros se multiplica em uma dúzia de pastorais rapazes nus de uma fazenda do Iowa, com pés sujos de barro e musgo dos lagos em sua coxas.

Raven, o trapaceiro do potlatch[10], às vezes um garoto, às vezes uma velha, um pássaro que roubou a lua, agulhas de pinho flutuando num lago, totens com cabeças da Faísca e Fumaça, coral de corvos com olhos prateados dançando sobre uma pilha de lenha – como Semar, o corcunda albino e hermafrodita, fantoche-sombra patrono da revolução javanesa.

Iemanjá, estrela azul deusa-do-mar e padroeira dos homossexuais – como Tara, aspecto azul-acinzentado de Kali[11], colar de crânios, dançando no lingam[12] enrijecido de Shiva[13], lambendo nuvens de monções com sua língua compridíssima – como Loro Kidul, deusa-do-mar verde-jade javanesa que confere o poder da invulnerabilidade aos sultãos por meio de intercurso tântrico em torres e cavernas mágicas.

Sob um ponto de vista, o anarquismo ontológico é extremamente nu, despido de todas as qualidades e possessões, podre como o próprio CAOS – mas, sob outro ponto de vista, ele pulula de barroquismos como os templos de foda de Katmandu ou um livro de símbolos alquímicos – ele se derrama de seu divã comendo loukoum[14] e divertidas ideias heréticas, uma mão perdida dentro de suas calças largas.

O casco de seus navios piratas é laqueado de preto, as velas triangulares são vermelhas, as flâmulas são negras, ostentando o emblema de um ampulheta alada.

Um mar do sul da China dentro da mente, próximo a um litoral selvagem coberto por palmeiras, ruínas de templos de ouro construídos para deuses desconhecidos e bestiais, ilha após ilha, a brisa como uma seda amarela é úmida sobre a pela nua, navegação por estrelas panteístas, hierologia sobre hierologia, luz sobre luz contra a escuridão reluzente e caótica.

Sabotagem Artística

A arte-sabotagem aspira ser perfeitamente exemplar, mas, ao mesmo tempo, retém um elemento de opacidade – não propaganda, mas choque estético – aterradoramente direta, mas ainda assim sutilmente transversal – ação-como-metáfora.

A Arte-Sabotagem é o lado negro do Terrorismo Poético – criação -através-da-destruição –, mas não pode servir a nenhum partido ou niilismo, nem mesmo à própria arte. Assim como a destruição da ilusão eleva a consciência, a demolição da praga estética adoça o ar no mundo do discurso, do Outro. A Arte-Sabotagem serve apenas à percepção , atenção , consciência.

A AS vai além da paranóia, além de desconstrução – a crítica definitiva – ataque físico à arte ofensiva – cruzada estética. O menor indício de um egotismo mesquinho ou mesmo de um gosto pessoal estraga sua pureza e vicia sua força.

A AS não pode nunca procurar o poder – apenas renunciar a ele.

Obras de arte individuais (mesmo as piores) são amplamente irrelevantes – a AS procura causar danos às instituições que usam a arte para diminuir a consciência e lucrar com a ilusão. Este ou aquele poeta ou pintor pode ser condenado por falta de visão – mas Ideias malignas podem ser atacadas através dos artefatos que eles criam. O MUZAK[15] foi feito para hipnotizar e controlar – seu mecanismo pode ser destruído.

Queima pública de livros – porque caipiras reacionários e funcionários das alfândegas devem monopolizar essa arma? Livros sobre crianças possuídas pelo demônio; a lista de best sellers do Estado de São Paulo; tratados feministas contra a pornografia; livros escolares (especialmente de estudos Sociais, Educação Moral e Cívica e Saúde); pilhas da Folha de São Paulo, Veja, Isto É e outras publicações de supermercado; uma compilação de editoras cristãs; alguns romances populares – uma atmosfera festiva, garrafas de vinho e baseados numa tarde clara de outono.

Jogar dinheiro para o alto no meio da bolsa de valores seria um Terrorismo Poético bastante razoável – mas destruir o dinheiro seria uma excelente Arte-Sabotagem. Interferir numa transmissão de TV e colocar no ar alguns minutos de arte incendiária caótica seria uma grande feito de TP – mas simplesmente explodir a torre de transmissão seria uma ato de Arte-Sabotagem perfeitamente adequado.

Se certas galerias e museus merecem, de vez em quando, receber uma tijolada pela janela – não a destruição , mas sim uma sacudida na sua complacência –, então o que dizer dos BANCOS? Galerias transformam beleza em mercadoria, mas bancos transmutam a Imaginação em vezes e dívida. O mundo não ganharia um pouco mais de beleza com cada banco que tremesse… ou caísse?

Mas como? A Arte-Sabotagem provavelmente deve ficar longe da política (é tão chata!) – mas não dos bancos.

Não faça piquetes – vandalize. Não proteste – desfigure. Quando feiura, design podre e desperdícios estúpidos estiverem sendo impostos a você, transforme-se num luddita[16], jogue o sapato no mecanismo, retalie. Esmague os símbolos do Império, mas não o faça em nome de nada que não seja a busca do coração pela graça.

Os Assassinos

Atravessando o brilho do deserto e ganhando as montanhas policromadas, nuas e ocre, violeta pardo e terracota, no alto de um vale dissecado azul, os via jantes encontram um oásis artificial, um castelo fortificado em estilo sarraceno, guardando um jardim escondido.

Como convidados de Hassan-i Sabbah, o Velho da Montanha, eles sobem os degraus cortados na pedra que levam até o castelo. Aqui, o Dia da Ressurreição veio e passou – os do lado de dentro vivem fora do Tempo profano, que é mantido a distância com lanças e veneno.

Por trás de torres crenuladas e de longas janelas talhadas, estudiosos e fedains velam em estreitas celas monolíticas. Mapas do céu, astrolábios, destiladores e retortas, pilhas de livros abertos sob a luz da manhã – uma cimitarra descoberta.

Cada um dos que entram no reino do Imã-de-seu-próprio-ser transforma-se num sultão de revelação inversa, num monarca da anulação e da apostasia. Num aposento central, entrecortado pela luz e adornado com uma tapeçaria de arabescos, eles se recostam em almofadas e fumam longos narguilés de haxixe perfumado com ópio e âmbar. Para eles, a hierarquia do ser compactou-se num ponto adimensional do real – as correntes da Lei foram quebradas – eles terminam seu jejum com vinho. Para eles, o exterior de todas as coisas é o interior delas, sua face verdadeira revela-se diretamente. Mas os portões do jardim estão camuflados com terrorismo, espelhos, rumores de assassinos, trompe l’oeil, lendas.

Ramãs, vários tipos de amoras, caquis, a melancolia erótica dos ciprestes, rosas de Shiraz de delicadas pétalas cor-de-rosa, jardineiras com aloé e benjoim de Meca, os caules rígidos das tulipas otomanas, tapetes abertos como jardins artificiais sobre gramados verdadeiros – um pavilhão inteiro decorado com um mosaico de caligramas – um salgueiro, um riacho repleto de agriões do brejo – uma fonte sob cristais geométricos – o escândalo metafísico que são as odaliscas banhando-se os criados negros brincando de esconde-esconde, molhados, por entre a folhagem – “água, verdura, belos rostos”.

Ao cair da noite, Hassan-i Sabbah, como um lobo civilizado de turbante, debruça-se no parapeito sobre o jardim e contempla o céu, estudando pequenos asterismos de heresia no ar fresco e sem rumo do deserto. É verdade que nesse mito alguns discípulos aspirantes podem receber o comando de arremessarem-se do alto das muralhas para a escuridão – mas também é verdade que alguns deles vão aprender a voar como feiticeiros.

O emblema de Alamut persiste em nossas mentes, uma mandala ou circulo mágico perdido na história, mas entalhado ou impresso na consciência. O Velho passa rapidamente, como um fantasma, por dentro das tendas dos reis e dos aposentos dos teólogos, atravessa todas as trancas e passa por todas as sentinelas que usam técnicas ninja/muçulmanas já esquecidas, deixando pesadelos, estiletes sobre os travesseiros, subornos poderosos.

O perfume de sua propaganda embebe-se nos sonhos criminosos do anarquismo ontológico, a heráldica de nossas obsessões exibe as lustrosas bandeiras negras dos Assassinos… todos pretendentes ao trono de um Egito Imaginário, um contínuo espaço/luz oculto consumido por liberdades ainda não imaginadas.

Pirotecnia

Inventadas pelos chineses, mas nunca desenvolvida para a guerra – um bom exemplo de Terrorismo Poético – uma arma usada para disparar choques estéticos em vez de matar – os chineses odiavam a guerra e costumavam entrar em luto quando os exércitos se levantavam – a pólvora era mais útil para espantar demônios malignos, deleitar crianças, saturar o ar com uma bruma de bravura e com o cheiro de perigo.

Rojões de terceira categoria da província de Kwantung, foguetes, borboletas, M-80’s, girassóis, “Uma Floresta na Primavera” – clima de revolução – acenda seu cigarro com a espoleta chamuscada de um rojão negro – imagine o ar repleto de lêmures e íncubos, espíritos opressores, policiais fantasmas.

Chame um garoto com um bastão em brasa ou um fósforo aceso – apóstolo-xamã de enredos de verão de pólvora – estilhace a noite escura com pitadas e cascatas de estrelas infladas, arsênico e antimônio, sódio e calomelano, um corisco de magnésio e um silvo estridente de picrato de potassa.

Mande brasa (negro-de-fumo e salitre) a ferro e fogo – ataque o banco ou a horrível igreja de seu bairro com rojões e foguetes púrpura-dourados, de sopetão e anonimamente (talvez lançados da carroceria de uma picape em movimento).

Construa estruturas entrelaçadas com vigas de metal nos tetos dos edifícios de companhias de seguro ou escola – serpente cundalini ou dragão do Caos verde-bário enrolado contra um fundo de amarelo-sódio – Não Pise em Mim – ou monstros copulando e arremessando bolas de fogo na casa de velhos batistas.

Escultura de nuvens, escultura de fumaça e bandeiras = Arte do Ar. Obras de Terra. Fontes = Arte da Água. E fogos de artifício. Não se apresente patrocinando pelos Rockefeller e com a autorização da polícia para uma audiência de amantes da cultura.

Evanescentes bombas-mentais incendiárias, mandalas assustadoras inflamando-se em esfumaçadas noites suburbanas, alienígenas nuvens verdades da peste emocional detonadas
por raios vajra[17] azuis de orgônio[18], feux d’artifice a laser.

Cometas que explodem com odor de haxixe e carvão radioativo – demônios do pântano e fogos-fátuos assombrando os parques públicos – falso fogo-de-santelmo piscando sobre a arquitetura da burguesia – correntes de pequenos fogos de artifício caindo no chão da Assembleia Legislativa – salamandras-elementais[19] atacando conhecidos reformados de moral.

Goma-laca flamejante, açúcar do leite, estrôncio, piche, água viscosa, fogo chinês – por alguns momentos o ar é puro ozônio – uma nuvem opala de pungente fumaça de dragão/fênix se espalhando. Por um instante, o Império cai, seus príncipes e governadores fogem para sua podridão satânica e nebulosa, penachos de enxofre dos elfos atiradores de chamas queimando suas bundas chamuscadas, enquanto eles recuam. O Assassino-criança, psique de fogo, mantém o poder por uma breve noite escaldante da estrela Sírio.

Mitos do Caos

Caos invisível (po-te-kitea)
Indomável, intransponível
Caos da escuridão absoluta
Intocado e intocável
— canto Maori

O Caos empoleira-se numa montanha de céu: um pássaro gigantesco, como uma asa-delta amarela ou uma bola de fogo vermelha, com seis pés e quatro asas – ele não tem rosto, mas dança e canta.

Ou o Caos é um cão negro de pelos compridos, cego e surdo, sem as cinco vísceras. Caos, o Abismo, é anterior a tudo, depois vem a Terra/Gaia, e então o Desejo/Eros. Desses três surgiram dois pares – Érebo e Noite ancestral, Éter e Luz diurna.

Nem Ser, nem Não-ser
Nem ar, nem terra, nem espaço:
o que estava escondido? onde? sob a proteção de quem?

O que era a água, profunda, insondável?
Nem morte, nem imortalidade, dia ou noite…
mas o UNO soprado por si mesmo, sem vento.
Nada mais. Escuridão envolvendo escuridão,
água não-manifesta.

O UNO, escondido pelo vazio,
sentiu a geração do calor, tornou-se ser
na forma de Desejo, primeira semente da Mente…
O que estava por cima e o que, por baixo?
Existiam semeadores, existiam poderes:
energia embaixo, impulso em cima.
Mas quem pode ter certeza?
— Rig Veda

Tiamar, o Oceano de Caos, expele lentamente de seu ventre Lama e Saliva, os Horizontes, o Céu e Sabedoria líquida. Esses rebentos crescem barulhentos e pretensiosos – ela pensa em destruí-los.

Mas Marduk, o deus da guerra babilônico, levanta-se em rebelião contra a Velha Bruxa e seus Monstros do Caos, totens infernais – o Verme, a Ogre Fêmea, o Grande Leão, o Cachorro Louco, o Homem Escorpião, a Tempestade Trovejante – dragões vestindo suas glórias como deuses – e a própria Tiamat é uma serpente marinha gigante.

Marduk a acusa de fazer os filhos se rebelarem contra os pais – ela ama Neblina e Nuvens, princípios da desordem. Marduk será o primeiro a reinar, a inventar o governo. Durante a batalha, ele trucida Tiamat e com o seu corpo encomenda o universo material. Inaugura o império da Babilônia – e então, com os miúdos e as tripas sangrentas do filho incestuoso de Tiamat, ele cria a raça humana para servir aos deuses para sempre e aos altos sacerdotes e reis sacramentados.

Zeus Pai e os deuses do Olimpo travam guerra contra Mãe Gaia e os Titãs, esses partidários do Caos, da velhas formas de caça e coleta, das longas andanças sem destino, da androginia e da licenciosidade das bestas.

Amon-Ra (Ser) senta-se sozinho no Oceano do Caos primordial da MADRE masturbando-se e criando todo os outros deuses – mas o Caos também se manifesta como o dragão Apophis a quem Ra deve destruir (juntamente com seu estado de glória, sua sombra e sua mágica) para que o faraó possa governar com segurança – um ritual de vitória recriado diariamente nos templos Imperiais para confundir os inimigos do Estado, da Ordem cósmica.

Caos é Hun Tun, Imperador do Centro. Um dia, o Mar do Sul, Imperador Shu, e o Mar do Norte, Imperador Hu (shu hu – relâmpago), visitaram Hun Tun, que sempre os recebeu bem. Desejando retribuir sua gentileza, eles disseram: “Todos os seres têm sete orifícios para ver, ouvir, comer, cagar etc. – mas o pobre velho Hun Tun não tem nenhum! Vamos perfurar alguns nele!” E assim fizeram – um orifício por dia – até que, no sétimo dia, o Caos morreu.

Mas… o Caos também é um enorme ovo de galinha. Dentro dele, P’an-ku nasce e cresce por 18 mil anos – finalmente o ovo se abre, divide-se entre céu e terra, yin e yang. Então P’an-ku transforma-se na coluna que sustenta o universo – ou talvez se torna o universo (respiração –> vento, olhos –> sol e lua, sangue e fluídos –> rios e mares, cabelo e cílios –> estrelas e planetas, esperma –> pérolas, medula –> jade, suas pulgas –> seres humanos etc.).

Ou, ainda, transforma-se no homem/monstro, Imperador Amarelo. Ou transforma-se em Lao-tsé, profeta do Tao. Na verdade, o pobre velho Hun Tun é o próprio Tao.

“A música da natureza não existe além das coisas. As várias aberturas, gaitas, flautas, todos os seres vivos, juntos, formam a natureza. O ‘EU’ não pode produzir coisas e as coisas não podem produzir o ‘EU’, que existe por si mesmo. As coisas são o que são espontaneamente, não por causa de alguma outra coisa. Tudo é natural sem saber por que o é. As 10 mil coisas tem 1o mil estados diferentes, todos em movimento como se existisse um Senhor Verdadeiro para movê-las – mas, se procuramos por evidências desse Senhor, não conseguimos encontrá-las.” (Kuo Hsiang).

Cada consciência iluminada é um “imperador”, cuja única forma de reinado é não fazer nada para não atrapalhar a espontaneidade da natureza, o Tao. O “sábio” não é o próprio Caos, mas um dos seus servidores leais – uma das pulgas de P’an-ku, um pedaço de carne do filho monstruoso de Tiamat. “Céu é Terra”, diz Chunag-tsé, “nasceram no mesmo momento em que eu nasci, e eu e as 10 mil coisas formamos um ser único”.

O Anarquismo Ontológico tende a discordar apenas da total quietude do taoísmo. Em nosso mundo, o aos tem sido destituído por jovens deuses, moralistas, falocratas, padres-banqueiros, senhores adequados para escravos. Se a rebelião provar-se impossível, pelo menos algum tipo de guerra santa clandestina deve ser iniciada. Que ela siga as bandeiras da guerra do dragão negro anarquistas, Tiamat, Hun Tun.

O Caos nunca morreu.

Pornografia

Na Pérsia eu vi que a poesia é feita para ser musicada e cantada – por uma razão simples – porque funciona.

Uma combinação perfeita de imagem e melodia coloca o público num hal (algo entre um estado de espírito emocional/estético e um transe de supra-consciência), explosões de choro, impulsos de dança – uma mensurável resposta física à arte. Para nós, a ligação entre poesia e corpo morreu junto com a época dos bardos – lemos sob influência de um gás anestesiante cartesiano.

No norte da Índia, mesmo a recitação não-musical provoca barulho e movimento, todo bom verso é aplaudido, “Bravo!” com elegantes movimentos de mãos, e rúpias são lançadas – enquanto nós ouvimos poesia como um daqueles cérebros de ficção científica em um vidro – na melhor das hipóteses, um sorriso amarelo ou uma careta, vestígios dos rituais símios – o resto do corpo longe, em algum outro planeta.

No Oriente, às vezes os poetas são presos – uma espécie de elogio, já que sugere que o autor fez algo tão real quanto um roubo, em estupro ou uma revolução . Aqui, os poetas podem publicar qualquer coisa que quiserem – o que em si mesmo é uma espécie de punição , uma prisão em paredes, sem eco, sem existência palpável – reino de sombras do mundo impresso, ou do pensamento abstrato – um mundo sem risco ou eros.

A poesia está morta novamente – e mesmo que a múmia do seu cadáver possua ainda algumas de suas propriedades medicinais, a auto-ressureição não é uma delas.

Se os legisladores se recusam a considerar poemas como crimes, então alguém precisa cometer os crimes que funcionem como poesia, ou textos que possuam a ressonância do terrorismo. Reconectar a poesia ao corpo a qualquer preço. Não crimes contra o corpo, mas contra Ideias (e Ideias-dentro-das-coisas) que sejam letais e asfixiantes. Não libertinagem estúpida, mas crimes exemplares, estéticos, crimes por amor.

Na Inglaterra, alguns livros pornográficos ainda estão banidos. A pornográfica produz um efeito físico mensurável em seus leitores. Como propaganda, ela às vezes muda vidas por revelar desejos secretos. Nossa cultura gera a maior parte de sua pornografia motivada pelo ódio ao corpo – mas, como em certas obras orientais, a arte erótica em si mesma cria um veículo elevado para o aprimoramento do ser/consciência/glória. Um espécie de pornô tântrico ocidental poderia ajudar a galvanizar os cadáveres, fazê-los brilhar com uma pitada de glamour do crime.

Os Estados Unidos oferecem liberdade de expressão porque todas as palavras são consideradas igualmente insípidas. Apenas as imagens contam – os censores amam cenas de morte e mutilação , mas horrorizam-se diante de uma criança se masturbando – para eles, aparentemente, isso é uma invasão de seu fundamento existencial, sua identifica¸ cão com o Império e seus gestos mais sutis.

Sem dúvida, nem mesmo o pornô mais poético faria o cadáver sem rosto reviver, dançar e cantar (como o pássaro do Caos chinês) – mas… imagine o roteiro de uma filme de três minutos ambientados numa ilha mítica povoada por crianças fugitivas que moram nas ruínas de antigos castelos ou em cabanas-totens e ninhos construídos com detritos – uma mistura de animação , efeitos especiais, computação gráfica e vídeo – editado de forma compacta, como um comercial de fast-food…

… mas insólito e nu, penas e ossos, tendas abotoadas com cristais, cachorros negros, sangue de pombos – vislumbres de membros cor de âmbar enrolados em lençóis – rostos, cobertos por máscaras cheias de estrelas, beijando dobras macias de pele – piratas andróginos, faces abandonadas de colombinas dormindo em altas flores brancas – piadas sujas de se mijar de tanto rir, lagartos de estimação lambendo leite derramado – pessoas nuas dançando break – banheiras vitorianas com patos de borracha e pintos cor-de-rosa – Alice via jando no pó…

… punk reggae atonal para gamelão, sintetizadores, saxofones e baterias – boogies elétricos cantados por um etéreo coro de crianças – antológicas canções anarquistas, um misto de Hafiz[20] & Pancho Villa, Li Po[21] e Bakunin, Kabir[22] e Tzara – chame-o de “CHAOS – The Rock Video!”

Não… provavelmente é só um sonho. Muito caro para produzir e, além disso, quem o assistiria? Não as crianças a quem ele gostaria de seduzir. A TV pirata é uma fantasia fútil; o rock, outra mera mercadoria – esqueça o gesamtkunstwerk[23] malandro, então. Inunde um playground com obscenos folhetos inflamatórios – propaganda pornô, excêntricos manuscritos clandestinos para libertar o Desejo dos seus grilhões.

Crime

A justiça não pode ser obtida sob nenhuma Lei que seja – uma ação que está de acordo com a natureza espontânea, uma ação justa, não pode ser definida por dogmas. Os crimes defendidos nestes panfletos não podem ser cometidos contra o “si mesmo” ou o “outro”, mas apenas contra a mordaz cristalização de Ideias em estruturas de Tronos e Dominações venenosas.

Ou seja, não crimes contra a natureza ou contra a humanidade, mas contra a ordem legal. Mais cedo ou mais tarde, o descobrimento e a revelação de ser/natureza transformam uma pessoa num bandoleiro – como se ela visitasse outros mundos e, ao retornar, descobrisse que foi declarada traidora, herege, um ser exilado.

A Lei espera até que você tropece num modo de ser, uma alma diferente do padrão de “carne apropriada para consumo” aprovado pelo Sistema de Inspeção Federal – e, assim que você começa a agir de acordo com a natureza, a Lei o garroteia e o estrangula – portanto, não dê uma de mártir abençoado e liberal da classe média – aceite o fato de que você é um criminoso e esteja preparado para agir como tal.

Paradoxo: adotar o Caos não é escorregar para a entropia, mas emergir para uma energia semelhante à das estrelas, um espécime de graça instantânea – uma organização orgânica espontânea completamente diferente das pirâmides sociais putrefatas dos sultão, muftis, cádis e carrascos.

Depois do Caos, vem o Eros – o princípio da ordem implícito no vazio do Uno inqualificável. O amor é estrutura, sistema, o único código não contaminado pela escravidão e pelo sono drogado. Precisamos nos tornar vigaristas e persuasivos para proteger sua beleza espiritual num bisel de clandestinidade, num secreto jardim de espionagem.

Não apenas sobreviva, enquanto espera que a revolução de alguém ilumine as suas ideias, não se aliste no exército da anorexia ou bulimia – aja como se já fosse livre, calcule as probabilidades, pule fora, lembre-se das regras de duelo – Fume Maconha/Coma Galinha/Tome Chá. Todo homem tem sua própria vinha e sua figueira (Circle Seven Koran, Noble Drew Ali[24]) – carregue seu passaporte mouro com orgulho, não fique parado no meio do fogo cruzado, proteja-se – mas arrisque-se, dance antes que fique calcificado.

O modelo social natural para o anarquismo ontológico é uma gangue de crianças ou um bando de ladrões de banco. O dinheiro é uma mentira – esta aventura deve ser possível sem ele – o resultado das pilhagens e saques deve ser gasto antes que se torne pó novamente. Hoje é o Dia da Ressurreição – o dinheiro gasto com a beleza será alquimicamente transformado num elixir. Como o meu tio Melvin dizia, melancias roubadas são mais doces.

O mundo já foi recriado segundo o desejo do coração – mas a civilização é dona de todas as locações e da maioria das armas. Nossos anjos ferozes exigem que invadamos a propriedade alheia, porque se manifestam apenas em solo proibido. O Ladrão de Estrada. A ioga da clandestinidade, o assalto relâmpago, o desfrute do tesouro.

Feitiçaria

O universo quer brincar. Aqueles que por ganância espiritual se recusam a jogar e escolhem a pura contemplação negligenciam sua humanidade – aqueles que evitam a brincadeira por causa de uma angústia tola, aqueles que hesitam, desperdiçam sua oportunidade de divindade – aqueles que fabricam para si máscaras cegas de Ideias e vagam por aí à procura de uma prova para sua própria solidez acabam vendo o mundo através dos olhos de um morto.

Feitiçaria: o cultivo sistemático de uma consciência aprimorada ou de uma percepção incomum e sua aplicação no mundo das ações e objetos a fim de se conseguir os resultados desejados.

O aumento da amplitude da percepção gradualmente bane os falsos eus, nossos fantasmas cacofônicos – a “magia negra” da inveja e da vingança volta-se contra o autor porque o Desejo não pode ser forçado. Quando o nosso conhecimento da beleza harmoniza-se com o ludus naturae, a feitiçaria começa.

Não, não se trata de entortar colheres ou fazer horóscopos, não é a “Aurora Dourada” nem um xamanismo de brincadeira, projeção astral ou uma Missa Satânica – se você quer mistificação , procure as coisas reais, bancos, política, ciência social – não esta baboseira barata da Madame Blavatsky.

A feitiçaria funciona criando ao redor de si um espaço físico/psíquico ou aberturas para um espaço de expressão sem barreiras – a metamorfose do lugar cotidiano numa esfera angelical. Isso envolve a manipulação de símbolos (que também são coisas) e de pessoas (que também são simbólicas) – os arquétipos fornecem um vocabulário para esse processo e portanto, são tratados ao mesmo tempo como reais e irreais, como as palavras. Ioga da Imagem.

O feiticeiro é um Autêntico Realista: o mundo é real – mas a consciência também o deve ser, já que seus efeitos são tão tangíveis. Um obtuso acha que até mesmo o vinho não tem gosto, mas o feiticeiro pode se embriagar simplesmente olhando para a água. A qualidade da percepção define o mundo do inebriamento – mas, sustentá-lo e expandi-lo, para incluir os outros, exige um certo tipo de atividade – feitiçaria.

A feitiçaria não infringe nenhuma lei da natureza porque não existe nenhuma Lei Natural, apenas a espontaneidade da natura naturans, o Tao. A feitiçaria viola as leis que procuram deter se fluxo – padres, reais, hierofantes, místicos, cientistas e vendedores consideram a feitiçaria uma inimiga porque ela representa uma ameaça ao poder de suas charadas e à resistência de sua teia ilusória.

Um poema pode agir como um feitiço e vice-versa – mas a feitiçaria recusa-se a ser uma metáfora para uma mera literatura – ela insiste que os símbolos devem provocar incidentes assim como epifanias particulares. Não é uma crítica, mas um refazer. Ela rejeita toda escatologia e metafísica da remoção , tudo que é apenas nostalgia turva e futurismo estridente, em favor de um paroxismo ou captura da presença.

Incenso e cristal, adaga e espada, certo, túnicas, rum, charutos, velas, ervas como sonhos secos – o garoto virgem com olhar fixo num pote de tinta – vinho e haxixe, carne, iantras e rituais de prazer, o jardim de huris e sagüis – o feiticeiro escala essas serpentes e escadas até o momento totalmente saturado por sua própria cor, em que montanhas são montanhas e árvores são árvores, em que o corpo torna-se eternidade e o amado torna-se vastidão.

As táticas do anarquismo ontológico estão enraizadas nesta Arte secreta – os objetivos ao anarquismo ontológico aparecem no seu florescimento. O Caos enfeitiça seus inimigos e recompensa seus devotos… este estranho panfleto amarelado, pseudonímico e manchado de pó, revela tudo… passe-o adiante por um segundo de eternidade.

Notas do Tradutor de CAOS

[1] O autor refere-se aos Hassasin ou Hassisin (“consumidores de haxixe”), membros de uma seita islâmica secreta que durante as Cruzadas emboscavam líderes cristãos. Eles agiam supostamente sob a influência de haxixe, dai seu nome. Ver página 12 (N.T)

[2] Corrente que pretende utilizar os espaços naturais de criação artística. Para isso, fazem coisas como empilhar pedras, traçar imensas linhas de gesso em desertos, cavar tumbas etc. (N.E.)

[3] Tipo de maconha feita a partir dos brotos e das flores da cannabis e que apresenta 7,5% de THC, seu componente psicoativo. (N.E)

[4] Lendários amantes do mundo árabe. Ver o livro de Nizami Laila & Ma jnun – A Clássica História de Amor da Literatura Persa, Jorge Zahar Editor. (N.E)

[5] Nome que em Cuba se dá a Exu, um dos quatro orixás guerreiros da religião iorubá. (N.T)

[6] Um dos deuses mais cultuados do panteão hinduísta, invocado no início de qualquer atividade como aquele que retira obstáculos. (N.T)

[7] Conceito sufista, que significa benção , graça, a força vital de toda criação . (N.T)

[8] Ou H. Trismegisto, mitológico fundador do hermetismo, doutrina ligada ao gnosticismo, no Egito, no século I. (N.T)

[9] Império muçulmano na ´India (1526-1857), fortemente influenciado pela estética persa. O mais conhecido imperador mongol foi Akbar (1542-1605). (N.T)

[10] Festival de inverno celebrado pelos índios da costa noroeste dos EUA, com distribuição e troca de presentes, e eventual dissipação dos bens do anfitrião. (N.T)

[11] No hinduísmo, a forma da Mãe Divina em seu aspecto dissoluto e destruidor. (N.T)

[12] O mais importante dos símbolos de Shiva, que tem a forma de um falo, e representa o aspecto impessoal de Deus. (N.T)

[13] Nome da Realidade Suprema para o shaivismo da Caxemira; ou, no hinduísmo, um dos três deuses principais (ao lado de Vishnu e Brahma), representando Deus em sua forma destruidora. (N.T)

[14] Doce turco. (N.T)

[15] Sistema de distribuição de música ambiente. (N.T)

[16] Membro dos grupos de trabalhadores ingleses que, no início da revolução industrial, revoltaram-se contra o desemprego causado pelo novo maquinário têxtil, procurando destruí-lo. (N.T)

[17] No budismo e no hinduísmo, um raio ou arma mítica, geralmente controlado pelo deus Indra (N.E)

[18] Na teoria desenvolvida por William Reich, orgônio é a energia vital, a energia a que é a fonte da vida. (N.E)

[19] Desde a Antigüidade, a salamandra tem sido reconhecida como a personificação do fogo, um animal que sobreviveria ileso no fogo. (N.E)

[20] Até ho je, um dos mais queridos e lidos poetas místicos da Pérsia (1320-1389)(N.T)

[21] Ou Li Pai, poeta chinês (701-762 a.C.) (N.T)

[22] Poeta santo cultuado tanto por muçulmanos quanto por hinduístas, viveu em Benares (1440-1518). (N.T)

[23] Termo alemão contemporâneo que, grosso modo, implica diferentes formas simultâneas de se apreciar algo, especialmente um obras de arte computacional ou uma instalação . (N.T)

[24] Líder religioso norte–americano, fundador do Templo da Ciência Islâmica em 1913, em Chicago. (N.T)

 

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