Em defesa da psicologia na epistemologia caoísta
Primeiramente, queremos deixar claro que não indicaremos as referências bibliográficas da maneira como é feito em trabalhos acadêmicos. Já passamos por isto diversas vezes e estamos cansados. Porém, citaremos os autores. Segundo, um de nós, o que costuma ter o palco da consciência por mais tempo, é psicólogo e caoísta, então acreditamos ser capazes de conseguir visualizar os dois campos em questão sem preconceitos. Dito isso, vamos ao que interessa.
Aparentemente (e infelizmente), é uma tradição nos escritos dos fundadores da Magia do Caos – e aqui nos referimos a Austin O. Spare e Peter J. Carroll – desdenhar os argumentos da psicologia no que diz respeito a dinâmica e estrutura da mente. Para sermos mais específicos, os argumentos que abarcam o conceito de inconsciente. Spare em seus escritos chamava Freud e Jung respectivamente de Fraud e Junk (Fraude e Lixo). As teorias psicológicas são inúmeras e nem todas levam a ideia de inconsciente em consideração, mas as que tratam tal conceito como fundamental em sua epistemologia são coletivamente chamadas de “psicologias profundas”. Imaginamos que tal birra com a psicologia se deve mais a uma falta de conhecimento mais apurado em relação a mesma, pois tais sujeitos eram/são inteligentes e cultos.
Apesar de desdenharem dos argumentos de grandes nomes da psicologia profunda, como Carl G. Jung e Sigmund Freud, Spare e Carroll se utilizam de conceitos e ideias já extensamente trabalhados por tais indivíduos e – eis o agravante – como se tais conceitos, agora com roupagem caoísta, fossem algo inédito. Vamos por partes, como diria Jack, o Estripador.
Gnosis e o Inconsciente
Parte fundamental da prática mágicka caoísta é a ideia de que a vontade do magista, o objeto de seu ato mágicko, deve ser retirado da consciência tão logo é atingido o estado de Gnosis. Isto porque, grosso modo, caso continue na consciência, estará sujeito a dualidade característica do estado consciente e assim perderá potência. Pois bem. “Retirar da consciência” é o mesmo que se tornar inconsciente. E justamente no sentido da psicologia profunda. E mais: a dualidade como característica do pensamento consciente, sua maneira unilateral de lidar com eventos de maneira que a dinâmica sim-ou-não lhe é angustiante, é peça básica para a psicologia profunda. Existe uma profunda semelhança entre a Postura da Morte de Spare e a Respiração Holotrópica proposta por Stanislav Grof.
Jung e o Psiquismo
Outra questão. A ideia de que o “mundo psíquico” e o “mundo material” são, na verdade, um único mundo – o Unus Mundus alquímico – é extensamente trabalhada por Jung em seus estudos da alquimia como metáfora para a dinâmica psíquica e também no conceito de sincronicidade. Este pressupõe, em poucas palavras, que um objeto inconsciente e um evento mundano podem manter uma relação acausal semântica e simbólica.
A Pluralidade do Eu
Mais uma. A ideia de que a mente não se constitui de um único e rígido “Eu”, mas de diversos “Eus”. Isto é a base de toda psicologia analítica, e se verifica mais claramente no conceito de complexo. A ideia geral é a de dissociacionismo psíquico, e já era abordada por grandes figuras da história da psicologia, como Charcot, Flournoy, Freud, Jung, Janet, etc.
Conclusão
Chame de xamanismo ou cabala, todas as cultura tiveram, com mais ou menos intensidade uma tradição ligada a magia e a expansão da consciência. Em certo sentido a psicologia pode ser entendida como a forma com que essa tradição se manifestou no mundo ocidental, materialista e cientificista da era pós-industrial. Invocação, assunção de forma-deus, etc? Jung chamava isso de possessão por um arquétipo. Plano astral, projeção astral, magia astral? Jung formulou uma técnica psicológica chamada imaginação ativa. Que fique claro: não queremos afirmar que a magia é psicologia e nem que a psicologia é magia (embora não possamos afirmar o contrário, o que é sensacional). Queremos apenas demonstrar que as duas áreas se tocam em diversos pontos, e que o desdém dos fundadores da Magia do Caos pela psicologia não se sustenta.
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